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Nova espécie de louva-a-deus é descoberta na Amazônia de Mato Grosso
Por Lucas Eduardo Araújo Silva
Em 22 de maio de 2023
Encontrada em expedição do Projeto Mantis na RPPN Cristalino, espécie faz homenagem à RPPN Cristalino
Em 2021, em meio ao segundo ano da pandemia, o pesquisador Leo Lanna e o designer Lvcas Fiat, do Projeto Mantis, realizaram a maior expedição de suas vidas, como parte do Mestrado de Leo pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e Universidade Federal do Pará. “Austral: Mantis da Amazônia” foi uma imersão de dois meses na RPPN Cristalino, MT, na porção mais sul do bioma, onde a floresta encontra o Cerrado. Com apoio da Fundação Ecológica Cristalino e do Greenpeace Brasil, o objetivo era documentar a diversidade de louva-a-deus da área, até então completamente desconhecida. O primeiro resultado saiu agora: uma nova espécie, Microphotina cristalino, publicada na European Journal of Taxonomy, e batizada em homenagem à reserva e ao principal rio da região. O nome também remete à característica translúcida do corpo do inseto. Enquanto um projeto de lei pretende retirar o Mato Grosso da Amazônia Legal, a nova espécie de louvaa-deus soma-se às diversas descobertas feitas na região, como o sagui-de-schneider, nos lembrando o quanto ainda temos a conhecer e por que a floresta deve seguir protegida.
“Nós realizamos expedições em diversos locais do Brasil, e a Amazônia do Mato Grosso sem dúvidas foi a mais rica em diversidade que já vimos”, conta Leo Lanna. “A quantidade de animais era imensa, não era incomum ver antas, queixadas, mamíferos grandes que são cada vez mais raros ou escassos. E isso se refletiu nos louva-a-deus: encontramos mais de 30 espécies, em quantidades que nunca imaginamos ver.”
Quase diariamente a dupla saia à noite, com lanternas e câmeras, para buscar os insetos. Perto do alojamento, deixavam duas armadilhas de luz não-letais, que são basicamente um pano branco com uma luz forte que traz insetos voadores noturnos. Na floresta, eram horas de busca, olhando no chão e folhiço, passando por troncos e folhas, até onde os olhos alcançavam. O Brasil tem a maior diversidade de louva-a-deus do mundo, mais de 250 espécies, que habitam todos os biomas e todas as partes dos ecossistemas. Carismáticos e chamativos, esses insetos carnívoros são inofensivos para nós e apresentam formas e cores bastante peculiares, sempre camuflados. Podem se parecer com galhos, folhas verdes ou secas, líquens, musgos e até flores. Encontrá-los à noite é mais fácil, quando a camuflagem não é tão efetiva. Na RPPN Cristalino, o Projeto Mantis buscava por novas e raras espécies que pudessem nos ajudar a compreender melhor esses insetos, cuja diversidade no país pode alcançar até 700 espécies no futuro, de acordo com cientistas. E foi a expedição de maior sucesso da organização. Além do louva-a-deus cristalino, já identificaram ao menos duas outras novas espécies de louva-a-deus, que estão em processo de descrição.
A descoberta do louva-a-deus cristalino trouxe à tona diversas questões. A descrição foi feita com base em machos adultos, encontrados somente na armadilha de luz não letal. Ao revisarem a literatura, os autores perceberam que o mesmo aconteceu para as outras quatro espécies do gênero Microphotina. Em apenas uma delas a fêmea é conhecida, a partir de um único exemplar. Isso significa que, fora os machos voadores atraídos às luzes, não se conhecem as fêmeas e jovens, que não voam, nem os ovos. No artigo, os autores levantam a hipótese de que seja um inseto de dossel, vivendo na copa das árvores e raramente descendo às partes baixas da floresta.
“Mesmo com dois meses de buscas na floresta, o louva-a-deus cristalino só apareceu na armadilha de luz. A copa das árvores é um mundo à parte, extremamente biodiverso e desconhecido. Inclusive, em nosso TED Talk no Canadá ano passado, quando falamos a primeira vez sobre a espécie nova, mencionamos como ainda não existem tecnologias eficientes para pesquisar grande parte da fauna de dossel, apesar dos avanços que nos permitem explorar do fundo do oceano até Marte.”
No artigo, que conta também com os especialistas em louva-a-deus João Herculano e Julio Rivera, e o herpetólogo Pedro Peloso, orientador de Leo no Mestrado, os pesquisadores alertam para a conservação da espécie. Por viver nas partes altas, o louva-a-deus cristalino provavelmente depende de florestas preservadas. Infelizmente, a região faz parte do infame Arco do Desmatamento, onde a devastação mais avança. O ecótono Cerrado-Amazônia, essa região de contato e troca entre os dois biomas, concentra uma biodiversidade riquíssima e única, porém já perdeu 40% de sua cobertura original. Caso o Estado seja retirado da Amazônia Legal, a previsão é que milhões de hectares sejam desmatados, agravando o cenário. Mesmo as áreas protegidas se encontram sob forte pressão. Só em 2022, milhares de hectares dos Parques Estaduais Cristalino I e II sucumbiram a queimadas ilegais. Ainda assim, é graças às RPPNs, Unidades de Conservação Federais e Estaduais, e Terras Indígenas, que ainda restam trechos importantes da Amazônia na região, um abrigo fundamental para sua rica biodiversidade. Por isso o nome foi uma homenagem à reserva que protege a espécie nova.
O artigo científico aproveita a oportunidade para sintetizar o conhecimento da linhagem evolutiva desse grupo de louva-a-deus, os Microphotina, incluindo a relação entre suas espécies, os primeiros detalhes da história natural e comportamento, e sua distribuição, hoje restrita à Amazônia. E se antes a linhagem só era conhecida para regiões mais ao Norte do bioma, de clima mais úmido ao longo de todo o ano, a descoberta de uma espécie na RPPN Cristalino, no sul do bioma, onde existe uma estação seca bem definida, levantou a hipótese de que esse tipo de louva-a-deus também pudesse ser encontrado na Mata Atlântica ou até mesmo em zonas naturais de florestas do Cerrado e da Caatinga. E essa hipótese se confirmou em Dezembro do ano passado, quando a equipe visitou a Universidade Federal de Viçosa e encontrou um único exemplar de um louva-a-deus semelhante aos Microphotina na coleção do museu entomológico, oriundo da Mata Atlântica mineira. Com o achado, estão iniciando uma parceria com pesquisadores da UFV para desvendar a fauna de louva-a-deus local.
Ainda há muito a se conhecer sobre a biodiversidade do Brasil, nossa maior e verdadeira riqueza. O Projeto Mantis trabalha desde 2015 com pesquisa, conservação e documentação de vida selvagem, combinando ciência e arte no estudo dos louva-a-deus. Por meio de palestras, exposições, eventos e redes sociais, a equipe divulga suas descobertas e sua experiência na busca por esses insetos fantásticos. Fala não somente de insetos, mas das belezas de nossa fauna e flora, mostrando em detalhes os encontros fantásticos nas noites das florestas tropicais. Esse ano irão ao Global Exploration Summit, em Portugal, falar sobre suas mais recentes descobertas. E voltarão à Amazônia, dessa vez em Roraima, para uma expedição com financiamento da National Geographic Society, para produzir um trabalho em torno do desconhecido e do imaginário no universo dos louva-a-deus.